Idas e vindas no Acordo Comercial entre o Mercosul e a União Europeia
- José Alberto Cunha Couto
Foi em 1998 que a Comissão Europeia (o braço executivo da União Europeia) autorizou o início de negociações com o Mercosul. Havia incêndios na Amazônia, mas, então, os temas eram econômicos, comerciais, e parceria na área da segurança.
Entretanto, a Europa observava o meio ambiente brasileiro muito antes do fechamento do acordo com o Mercosul,só assinado em junho de 2019, pois há muitas décadas o Brasil vinha tendo dificuldades com incêndios em suas florestas, sempre recorrendo a soluções emergenciais.
Por esta razão, na sua versão original, o acordo já passara a incluir obrigações para o Brasil monitorar e agir em seus sistemas ambientais.
O documento incluía, ainda, um princípio segundo o qual os europeus poderiam suspender o acordo se houvesse importante indício de degradação ambiental.
Hoje, é sentimento comum que a agenda ambiental estará cada vez mais atrelada às agendas econômicas e geopolíticas.
Não se esperaria, portanto, algo diferente em relação ao Acordo Mercosul-União Europeia (UE) desde que o tema ambiental tomou força, em 2020, e os números oficiais de devastação na Amazônia brasileira impediram o avanço do Acordo.

No último Fórum Econômico Mundial, o Ministro de Comércio Exterior da França disse que o Acordo estava bem comercialmente (ao Mercosul caberia 53% das compras agrícolas pela UE) mas com dificuldades na questão ambiental, demonstrando que o presidente Macron manteria a atual resistência em sua ratificação, na verdade uma resposta ao seu eleitorado de agricultores e de ambientalistas.
Durante a Alemanha na presidência rotativa da UE, Ângela Merkel, com seu pragmatismo, priorizou um acordo de investimentos da UE com a China, recém assinado.
Não causou surpresa, portanto,a China se tornar o principal parceiro comercial da UE em 2020, ultrapassando os Estados Unidos, segundo dados divulgados pela Eurostat – agência de estatísticas da União Europeia.No ano passado, o comércio (soma de exportações e importações) da União Europeia com a China totalizou 586 bilhões de euros, contra 555 bilhões com os Estados Unidos.
Neste 2021, Portugal, que assumiu a presidência da EU, com outros oito países escreveram carta ao Chefe de Comércio da Comissão Europeia com alertas para a não ratificação do Acordo com o Mercosul, pois pode implicar em perda de credibilidade da UE como parceira geopolítica e de negociações.No entanto, a julgar pelo documento, a orientação atual é priorizar um acordo da UE com a Índia, citada oito vezes nas diretrizes para o atual mandato…

Surgem, ainda tímidas, alternativas para solucionar a condicionante ambiental para as ratificações do acordo, que vão desde compromissos com o Acordo de Paris, já assinados por todos os países envolvidos, até uma “Iniciativa Amazônia” que vem sendo estudada pelo Parlamento Europeu, e que seria baseada em dois pilares: declaração conjunta definindo compromissos ambientais e sociais pelos dois blocos; e recursos da UE para combater o desmatamento na Amazônia.
Com isto tudo, as negociações intensificaram-se nos últimos meses, mas a melhor janela de oportunidade para o Mercosul deverá encerrar-se em junho de 2021, que é quando termina o apoio de Portugal, que detém a presidência rotativa da UE até esta data.
Se o acordo não for fechado durante a presidência portuguesa poderá ser mais difícil chegar a um consenso, uma vez que a seguir vem a presidência pela Eslovênia e a França assume a UE em janeiro de 2022 …
O fato novo fica pela nova política de Biden para a América Latina. O acordo comercial UE-Mercosul deverá ser bem visto pelos EUA porque serviria para reduzir a influência da China na região.
Para o Brasil fica, então, o sinal de alerta para as escolhas em termos de política e de comércio internacional, para que não se posicione fora das prioridades dos grandes blocos econômicos.
- José Alberto Cunha Couto – Chefiou o Gabinete de Crises da Presidência da República durante 13 anos.
Deixe uma Resposta